segunda-feira, 4 de junho de 2012

Saudade
Perguntaram-me o que é saudade. A minha resposta foi imediata: talvez ninguém entenda mais disso do que eu! E tentei explicar. Falei que a saudade é uma dor que parece cortar a alma de nós, como navalha. Que faz o coração sangrar de tal forma como se ouvíssemos cada gota do nosso sangue gotejando na nossa alma. Falei que é a falta imensa que nós sentimos, o vazio infinito que sentimos quando nos lembramos de alguém que não vimos mais, que há muito não vemos, que não veremos mais ou, ainda, de algo que ficou no passado e que jamais poderá ser revivido.

Respondi, também, que saudade é uma dor que faz com que nos sintamos pequeninos, impotentes, fracos, por não podermos tomar iniciativa para restabelecer um momento, uma fase, um período, um tempo da nossa vida ou trazermos de volta alguém que foi embora, ou para outro plano, ou para bem perto de nós, porque se encontra vivo e aqui no nosso planeta, mas totalmente inatingível, inalcançável por se envolver numa redoma, propositadamente ou involuntariamente, ou, ainda que possa sê-lo, não nos dá condições para tanto, fazendo o nosso coração latejar de dor ao mesmo tempo que fica meio oco e a faltar um pedaço. Expliquei que a saudade é a vontade de termos de volta o quê ou quem perdemos, de abraçarmos, beijarmos, falarmos, ouvirmos a quem amamos e se encontra ausente e, mesmo que saibamos que um dia essa situação poderá mudar, ela magoa mais à medida que o tempo vai passando e nenhuma luz nos mostra que esse dia está próximo, tão pouco se ele realmente vai chegar. Defendi que é a ferida que se mantém aberta quando alguém nos ensina a amar e esquece de nos ensinar como deixar de fazê-lo, como esquecer. É como se esse alguém comprasse o peixe para nos dar o alimento e jamais se tivesse preocupado a ensinar-nos a pescá-lo, talvez porque nem soubesse fazê-lo, já que optou pela compra e não pela pesca. E, quando vai embora, deixa-nos a fome, a necessidade do alimento.

E, à medida que eu enumerava as várias interpretações da saudade, mais eu sentia saudade, mais aumentava o vazio dentro de mim, mais sentia vontade de dormir, dormir, dormir, até que chegasse o momento de aplacar todas as minhas saudades, minimizando-as ou exterminando-as. Porém, repentinamente, eu lembrei-me que a saudade não é só isso! Que pode ser, também, o oposto disso tudo! Que pode não ser a ferida, a dor, o vazio, a impotência, a distância, a ausência! Saudade pode ser, também, a boa recordação de momentos, fases, épocas, pessoas; a lembrança que passeia na alma, que dá a sensação de proximidade de quem amamos, que nos faz sorrir quando revivemos, mentalmente, situações inesquecíveis, momentos insubstituíveis, ocasiões ímpares, alguém que faz parte de nós, que é um pedaço imenso do nosso coração, que nos fez feliz mesmo que por poucos, mas intensos instantes.

Saudade, pode ser apenas um bem maior que a felicidade, porque é a felicidade que ficou. É, ainda, a certeza de que fomos presenteados com a possibilidade de darmos e recebermos os melhores sentimentos de alguém, em algum momento da nossa vida. É sabermos que existiu na nossa vida algo ou alguém tão maravilhoso e tão importante para nós, que não nos permite que esqueçamos, que abandonemos, que neguemos, que nos furtemos a admitir que vivemos com intensidade, às vezes até com loucura, paixão, de forma incomensurável, algo ou alguém que representa ou representou a nossa outra metade, tudo que nos faltava, tudo que merecemos. Lembrei-me, sim, que a saudade pode não representar tão somente a tristeza, a amargura, o desprezo recebido, o abandono, a revelação de um sentimento solitário que, em algum momento, nos enganou, permitindo-nos acreditarmos na correspondência dos nossos sentimentos.

Lembrei-me, sim, que a saudade pode não acontecer apenas quando sentimos a tristeza ao deparar com a realidade de que neste plano não teremos mais a possibilidade de reencontrar um ente querido que já fez a sua passagem. Lembrei-me, sim, que a saudade é a marca, a tatuagem, o reviver, a raiz regada e proliferara de um facto, de um momento, de um espaço da nossa vida, de alguém que muito amamos e que, não importam os motivos, não estão ao nosso alcance no exacto momento em que os nossos pensamentos activam as nossas lágrimas misturadas com os nossos sorrisos, expressando os mais puros sentimentos traduzidos pelo nosso coração e as maiores alegrias que a nossa alma gravou no mais profundo do nosso ser, permitindo que factos e pessoas extremamente especiais para nós, passassem a ser um pedaço de nós!
E isso é tão verdade que, surpreendentemente, sentimos saudade de quem nunca vimos, dos beijos que jamais demos ou recebemos, do abraço nunca materializado, de palavras escritas, de carinhos nunca recebidos, do olhar que nem sequer sabemos a cor, do corpo que nem fazemos ideia de como seja, de personagens criados para nós ou por nós, de lugares jamais visitados, de estrelas que jamais tocamos, do luar que nunca nos mostrou a face da pessoa amada, da música que jamais ouvimos juntos, da poesia que nunca foi feita para nós, dos lábios que, na nossa mente, são doces, ternos,

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